A Inserção das Mulheres na Computação: Desafios e Possibilidades de Inclusão
Keywords:
Mulheres na Tecnologia, Algoritmos, RobóticaAbstract
A participação das mulheres na computação tem sido historicamente desigual, apesar de momentos em que sua presença foi significativa. Desde a década de 1940, mulheres desempenharam papéis centrais, como as seis programadoras do projeto ENIAC — Kathleen “Kay” McNulty (mais tarde Mauchly Antonelli), Frances Elizabeth "Betty" Holberton, Frances Bilas Spence, Ruth Lichterman (mais tarde Teitelbaum), Jean Jennings Bartik e Marlyn Wescoff (mais tarde Meltzer) — responsáveis por desenvolver técnicas pioneiras de programação em um dos primeiros computadores eletrônicos digitais. Outro nome de destaque nesse período foi Grace Hopper, considerada uma das pioneiras no desenvolvimento de compiladores e na padronização de linguagens de programação. No entanto, a história não valorizou, de forma justa, essas contribuições e a partir da década de 1980, observou-se um processo de masculinização da área acompanhado da ideia de que a tecnologia seria um espaço majoritariamente masculino. Essa transformação cultural resultou em uma redução expressiva da presença feminina, tanto em cursos de graduação quanto no mercado de trabalho \cite{abbate2012}.
No Brasil, o cenário seguiu a mesma tendência. Entre os anos 2000 e 2013, verificou-se queda no número de concluintes mulheres em cursos da área de computação, enquanto os homens cresceram em número \cite{holanda2020}. Em competições acadêmicas, como maratonas de programação, as mulheres continuam sendo minoria: menos de 15\% dos participantes \cite{irion2025}. Essa baixa representatividade também aparece em publicações científicas. Um estudo da SBC analisando conferências nacionais revelou que, entre 1999 e 2021, a participação feminina como autora é inferior à masculina \cite{dalpizzol2022}.
As razões para esse cenário não estão relacionadas à falta de competência ou interesse, mas a fatores estruturais e sociais. Pesquisas mostram que meninas enfrentam obstáculos ligados à influência familiar e escolar, fragilidade de estímulo em ambientes educativos, dificuldades de acesso ao mercado, limitações socioculturais e desafios psicológicos \cite{nunes2024}. Esses fatores reduzem a autoestima e alimentam a percepção de que a computação não é um espaço para elas.
Para reverter esse quadro, surgem iniciativas importantes. O programa \textit{Meninas Digitais}, da Sociedade Brasileira de Computação, é um dos mais destacados. Criado em 2011, apoia projetos em todas as regiões do país, promovendo oficinas, palestras e atividades de divulgação científica voltadas ao público feminino. Em 2020, somava cerca de 110 projetos parceiros \cite{holanda2020}. Outra iniciativa relevante é o projeto \textit{Meninas++}, desenvolvido no Instituto Federal Catarinense (IFC) – Campus Araquari. Essa ação busca fomentar a participação de alunas do ensino médio por meio de oficinas, palestras e atividades de inspiração, incentivando o ingresso e a permanência em cursos de computação. Nesse processo, o projeto destaca referências históricas femininas, como Ada Lovelace, matemática inglesa do século XIX, amplamente reconhecida como a primeira programadora da história por ter escrito instruções para a máquina analítica de Charles Babbage. Ao apresentar modelos de protagonismo como Ada Lovelace e Grace Hopper, o \textit{Meninas++} contribui para fortalecer a identidade das estudantes e demonstrar que as mulheres sempre estiveram presentes na construção da computação \cite{nunes2015}.
Este trabalho, desenvolvido por alunas do primeiro ano do curso Técnico em Informática do IFPR -- Campus Paranavaí, busca refletir sobre esse cenário e apresentar como ações locais também podem contribuir para a inclusão. Nesse contexto, destaca-se o projeto de robótica promovido pelos professores da disciplina de Algoritmos e Linguagem de Programação, que constitui uma experiência prática de protagonismo feminino na computação. Nele, estudantes participam da concepção, montagem e programação de robôs, desenvolvendo competências em lógica, eletrônica, programação e trabalho colaborativo. A participação feminina nesse projeto tem papel central, pois permite que as alunas se reconheçam como protagonistas do processo criativo e tecnológico, rompendo com estereótipos que ainda associam a área exclusivamente ao público masculino. Além disso, ao serem apresentadas em mostras de cursos, feiras científicas e oficinas de extensão, as produções das alunas ganham visibilidade pública, fortalecendo sua autoestima e ampliando o impacto social da iniciativa.
Além das atividades realizadas em laboratório / sala de aula e demais eventos, as alunas desenvolvem protótipos e explicam o funcionamento dos robôs aos visitantes, assumindo papel ativo na popularização da ciência e da tecnologia. Ao criar programas para robôs, em especial, os kits de robótica da LEGO, as estudantes desenvolvem diferentes habilidades, tais como, desenvolvimento motor fino, criatividade, senso analítico e crítico, raciocínio lógico e pensamento computacional. Os protótipos desenvolvidos permitem uma visibilidade pública do projeto e das estudantes, o que contribui para fortalecer sua autoestima e para inspirar outras meninas que entram em contato com o projeto. Como perspectiva de expansão, está prevista a realização de oficinas, de forma a possibilitar que outras estudantes interajam diretamente com robôs programados por alunas do curso técnico. Essa proposta tem efeito potencialmente multiplicador, pois evidencia, na prática, que mulheres podem ocupar espaços de protagonismo na computação. Além disso, a robótica aplicada como estratégia pedagógica, promove uma aprendizagem ativa, baseada na resolução de problemas e na colaboração, o que tende a ampliar ainda mais o impacto educacional e social da iniciativa.
Com base nesses exemplos, observa-se que a inclusão feminina na computação depende da integração de três elementos fundamentais. O primeiro é a valorização de modelos históricos e contemporâneos, como Ada Lovelace, Grace Hopper e as programadoras do ENIAC, cujas trajetórias demonstram que as mulheres sempre estiveram presentes na construção da ciência da computação. O segundo é a oferta de experiências práticas que reforcem a confiança e a competência técnica das alunas, como ocorre no projeto de robótica do IFPR -- Campus Paranavaí, no qual as estudantes vivenciam situações reais de criação e programação. O terceiro elemento refere-se às políticas institucionais de acolhimento e permanência, a exemplo de iniciativas nacionais como o \textit{Meninas Digitais}, e de propostas locais que buscam ampliar a inserção das mulheres em atividades tecnológicas. A diversidade de gênero, além de representar um princípio de justiça social, constitui também um requisito essencial para a inovação tecnológica, uma vez que a ausência de diferentes perspectivas implica perda de criatividade, de pluralidade de soluções e de desenvolvimento ético das aplicações computacionais.
Assim, este trabalho demonstra que, embora o caminho para a equidade de gênero na computação seja longo, há sinais de transformação a partir de iniciativas que combinam inspiração, acolhimento e prática. O programa \textit{Meninas Digitais}, o projeto \textit{Meninas++} do IFC -- Campus Araquari e o projeto de robótica do IFPR -- Campus Paranavaí são exemplos de que é possível construir ambientes mais inclusivos e estimulantes para a participação feminina. Ao mesmo tempo, a própria elaboração deste resumo expandido por alunas do curso técnico em informática representa um exercício de protagonismo, que reforça a importância de dar voz às estudantes no debate sobre ciência, tecnologia e sociedade. Acredita-se que experiências como estas contribuem não apenas para ampliar o número de mulheres na computação, mas também para consolidar uma cultura.
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Copyright (c) 2025 Alana Camila Lagares De Sousa, Isadora De Elias Ferreira, Natalia Souza Vidal, Pamela Pereira de Sousa, Ayslan Trevisan Possebom, Rafael Petermann, Késsia Marchi (Autor)

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